Era
inverno e o friozinho matinal dava preguiça de ir à escola. Toooooinnnnn! Tocou
o sinal. Já ninguém estava, só o frio. A menina entrou correndo pelo pátio e
subiu as escadas com os cachinhos balançando. Parou atrasada no lance da escada
para ver da janela a névoa de algodão que pairava no jardim. Foi aí que aconteceu. Com a
boca entreaberta soltou, por acaso, o ar da respiração. Para sua surpresa, saiu
uma fumacinha branca da boca, mágica. Sob encanto, soltou um riso largo.
Nunca mais se esqueceu disso.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Os colares de Marina
Marina, morena, vem vindo em busca da
presidência do Brasil, sem se pintar. Uma presença forte, de um corpo que
parece frágil, com semblante que remete ao povo das florestas do Norte. São muitas
as críticas e considerações sobre o provável comprometimento de seu mandato com
posturas defendidas pela congregação evangélica a que pertence, principalmente
no que se refere às questões das relações homoafetivas, do aborto e outros
tantos temas que nenhum dos candidatos se atreve a abordar. Marina foi fadada
ao conservadorismo e ao retrocesso por alguns críticos. Mas a presença de
Marina é ainda muito mais inusitada, com seu cabelo sempre preso, com típico
penteado em coque da senhorinhas da Assembleia de Deus, revoluciona nos
modelitos, descartando os tradicionais terninhos. Apareceu diversas vezes com
estampas que lembram a floresta e colares, muitos colares de sementes de açaí,
mulungu, licuri, jarina e haste de palmeira pupunha. São colares de todos os
jeitos, dona de um estilo próprio, mas com toque das tribos ashaninka e navajos, Marina se enfeita de Amazônia.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
A fotografia de Vivian Maier
O olhar pelas lentes da Srta. Vivian
Maier é comovente. A precisão com que imortalizou cada uma das cenas das cidades
de Chicago e Nova York naqueles anos 50, remonta ao legado e relíquia deixada por
uma grande artista. O acervo de Vivian Maier contém milhares de fotografias que
trazem para os dias de hoje os encantos de uma época que ficou para trás, de cotidianos
esquecidos. São cenas impressionantes, carregadas
de realismo e beleza, impregnadas de pessoas comuns. A principal motivação: o
acontecimento.
Os momentos captados pela babá artista, que
viraram fotografias, revelam segundo especialistas, que além de possuir o domínio
da técnica, Vivian escolhia meticulosamente o que ia fotografar e o fazia com
encanto e frieza. O acervo contém também inúmeros ousados auto-retratos,
inclusive da sombra da própria artista, curiosamente nunca mostrados a alguém. Sua obra foi desconhecida durante seu tempo de vida.
Todo o material fotográfico da Srta. Maier
foi encontrado por acaso por John Maloof, um historiador e corretor de imóveis
de Chicago, que ao descobrir o tesouro que tinha em mãos resolveu explorá-lo. Em
2011, John organizou a primeira exposição individual com as fotografias da
Srta. Maier e o reconhecimento foi imediato. Depois foram lançados livros e filmes. Recentemente houve o lançamento no Brasil de "Vivian Maier:
Uma Fotógrafa de Rua" [Autêntica, 136 págs., R$ 108], editado por John
Maloof, com prefácio de Geoff Dyer.
Em 1958 Vivian Maier passou pelo
Brasil em uma viagem de quase três meses pela América do Sul e Central. As fotografias
dessa viagem estão sendo analisadas. Entre os registros que fez provavelmente
deve ter imortalizado momentos e cenas do Rio, São Paulo e Amazônia por onde
passou. No segundo semestre de 2016 seremos contemplados com uma exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som) de São Paulo.
Os filmes especulam a vida solitária da
babá e fotógrafa, que não se casou, não teve filhos, sem parentes
ou amigos próximos. Viveu como uma sombra, escondida, roubando momentos alheios
e imortalizando-os nas fotografias perfeitas. Como disse Geoff Dyer parece algo inglório, talvez cruel, mas Vivian Maier é alguém que só existe nas coisas que viu. Nesta, que parece uma história
bonita carregada de tristeza, o consolo nos vem nas palavras da jornalista e
roteirista Rose Lichter-Marck quando diz ter a impressão que Vivian Maier
"era alguém bastante livre, que gostava de estar à margem, e que viveu a
vida que quis viver".
quinta-feira, 24 de julho de 2014
Eutanásia
(dois irmãos conversam num
canto afastado quarto. O pai deitado sobre a cama na outra extremidade)
Paulo: Você conseguiu o
medicamento?
Túlio: Um amigo trouxe da
Bélgica. Não estou seguro, precisamos conversar.
Paulo: Ele precisa disso,
está sofrendo.
Túlio: Tem uma questão ética
envolvida. Posso perder meu registro médico.
Paulo: Só nós sabemos disso.
Daqui a pouco será um assunto entre mim e você. Pensa que o colocaremos para
dormir.
Túlio: Ele nos colocava para
dormir, lembra? Cobria um, depois o outro. Não sei se posso fazer isso com ele.
Paulo: Todos deveríamos ter
o direito de escolher permanecer vivo ou não em uma condição terminal de grande
sofrimento.
Túlio: As Leis existem para
serem cumpridas.
Paulo: É claro. Se cada um
quiser fazer o melhor para o mundo. Nós vamos fazer o melhor que podemos para
nós.
Túlio: É uma questão mais
profunda. É como se o estivéssemos privando de seu último suspiro.
Paulo: Você está parecendo a
mamãe quando chegava da missa. Cara, você é médico. Sabe que há pouco para
escolher.
Túlio: É, talvez eu esteja
imerso em tradições conservadoras, sustentadas por pilares religiosos, mesmo
sendo médico.
Paulo: Vamos em frente cara.
Pai: hummmm.
(os dois homens caminham em
direção a cama e param ao lado do homem deitado)
Paulo: Oi pai, como está se
sentindo?
(o pai faz sinal negativo
com a cabeça)
(Paulo faz um sinal para
Túlio iniciar o procedimento)
(Túlio passa a mão nos
cabelos do pai)
Túlio: Pai está respirando
melhor hoje?
Paulo: O Túlio vai aplicar a
medicação para você se sentir melhor.
(Túlio injeta a agulha)
Túlio: Só uma picadinha.
Agora o adesivo para segurar. Pronto.
(Túlio posiciona o frasco do
medicamento na seringa)
(Pai com voz baixa, faz
esforço para falar)
Pai: Paulo, você poderia ir
ver minhas plantas amanhã? Elas estão sem cuidados. Precisa aguá-las. No
armário da oficina tem uma lata com adubo. Revigore-as para mim.
(Túlio para o procedimento)
Tulio: Você sempre cuidou
muito bem do jardim. Já ouvi dizer que tem gente que nasce com a “mão boa” para
plantar.
Pai: Cof, cof, cof.
(Paulo coloca a mão sobre os
ombros do pai e olha para Túlio)
Paulo: Calma pai. Fica
tranquilo.
Pai: Talvez seja necessário
podar a sempre-viva, senão ela morre.
(o pai abre um sorriso)
Pai: Cof, cof, cof.
Túlio: Calma Sr. Sergio.
Vamos continuar com essa medicação para você melhorar.
(Túlio retoma o
procedimento, apertando a ampola contra a seringa)
Pai: Túlio?
(Túlio não injeta o líquido
da ampola e olha para o pai)
Pai: Esta noite, sonhei com
um filme que vi há muito tempo atrás.
Túlio: Qual filme pai?
Pai: Contos da Lua Vaga. É a
história de dois oleiros que querem coisas diferentes da vida. E também um
filme de mulheres fortes.
(Paulo se emociona e chora. Túlio
olha para Paulo)
Túlio: Agora quero assistir,
fiquei curioso.
(Túlio larga o medicamento)
Pai: São cenas que parecem
quadros, quando olhamos isoladamente.
Paulo: Havia esquecido o
quanto você gosta de cinema.
(O pai se emociona)
Paulo: Podemos rever esse
filme se você quiser.
Pai: A vida é tão curta para
se rever todos os filmes que se quer.
Túlio: Pai você...
(ambos percebem o homem
morto e se abraçam)
Fim
Terceiro dia da Oficina
de Roteiro, com Renata Mizrahi, CAL/SESI
Exercício: A quer algo de B.
C impede B de dar a A. Resolvido por A ou C. A e B são humanos, C pode ser
objeto.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Discussão de criança
(dois
irmãos, crianças, dividem o quarto)
Paulo:
Bianca, pega um copo de água para mim?
Bianca:
Não, pega você.
Paulo:
Você não está vendo que eu estou brincando com o navio que ganhei no meu
aniversário.
Bianca: Eu
também estou brincando.
Paulo: Meninas
são sem graça. Aquelas que brincam de boneca. Pior ainda, aquelas que mexem em
tudo e ficam olhando as perninhas das moscas.
Bianca:
Quem disse? Melhor brincar de olhar o mosquito de pertinho do que fingir que
tem água em cima da cama para boiar o navio de plástico.
Paulo:
Você é chata. Mas pega um copo de água para mim?
Bianca:
Para você, ou para seu navio?
Paulo:
Para mim, lógico. Estou com sede. Se não pegar, não devolvo o caco de vidro que
você usa para ver aumentadas as asas da borboleta. Só eu sei aonde que está.
Bianca:
Devolve!
Paulo: Só
se você buscar um copo de água.
(Bianca levanta descontente e caminha para a
porta)
Bianca: Tá
bom!
Primeiro dia da Oficina de Roteiro, com
Renata Mizrahi, CAL/SESI
Exercício: A quer algo de B. B resiste. Em 5
minutos.quarta-feira, 9 de julho de 2014
O Rio de asfalto em gente corre na Copa do Brasil
O
hino da Copa do Brasil, não o oficial cantado na abertura, mas o que caiu na
boca do povo foi o dingo da campanha do banco Itaú. A primeira versão do dingo iniciou com a participação da
Fernanda Takai com sua linda voz e do talentoso Paulo Miklos e evoluiu para uma
segunda versão mais popular com vários cantores aparecendo em um mosaico de vídeos
e que termina com a Claudia Leite no centro do vídeo. Um dingo bonito e que colou, mas o conteúdo utilizado para ilustrá-lo é um exemplo de como funciona a propaganda convincente e formadora de opinião. No geral as imagens mostram cenas de multidão, muitas pessoas jovens, torcedores fantasiados, algumas paisagens turísticas
dos Estados e Cidades sede da Copa. Dentre estas cenas, no trecho “a garra da torcida inteira, vai junto com você Brasil” aparece uma imagem
da Avenida Rio Branco no Centro do Rio de Janeiro no dia de uma das inúmeras manifestações
que abalaram o país em meados de 2013. Era um milhão de pessoas, ou mais, reivindicando desde o aumento das passagens de ônibus até melhores condições de saúde e educação. Uma imagem de um momento único, uma
manifestação autentica, motivada por acontecimentos alheios à Copa do Mundo,
que foi aproveitada em um vídeo que reflete outro acontecimento em uma situação
distinta. Mostra como os recursos midiáticos podem ser manipulados dentro de
uma campanha de marketing e transformar completamente uma cena. O aproveitamento dessa multidão caminhando no Rio de asfalto e gente que correu pela Rio Branco no mês de junho de 2013 é uma afronta, um roubo sofrido pelo povo carioca. Ou qualquer uso é permito de uma imagem privada (ou não) de um evento público?
terça-feira, 8 de julho de 2014
O mito Luis Suárez
Parece
uma daquelas histórias incríveis que daqui a vinte anos muita gente vai achar
que é brincadeira. O atacante uruguaio Luis Suárez mordeu o ombro do jogador
rival, o italiano Giorgio Chiellini, em pleno jogo da Copa do Mundo. Quem não acompanha futebol não sabia, mas ele
já tinha mordido outros rivais em campo. Recebeu uma dura pena da FIFA e voltou
um jogo mais cedo para o Uruguai. As justificativas midiáticas especulam a
versão de uma infância diferenciada, pobre e difícil. As especulações carregam
a árdua tarefa de explicar como o craque fazedor de gols, foram 35 no último campeonato europeu, lida com seus demônios em campo. Qual a origem
desse desequilíbrio. Após o veredicto da FIFA, Suárez voltou para o Uruguai, emocionado,
acompanhado pela família e carregava a filha pequena no colo.
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