quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Florbela Espanca



Quando cheguei a Évora em Portugal, procurava muitas coisas: Cromeleque dos Almendres, ruínas romanas como o lindo templo de Diana, cidade medieval cercada por muralha, construções mouriscas herdadas dos árabes, vinhos do Alentejo, comidas do lugar, mas confesso que me encantava ir à cidade de Florbela Espanca. Florbela foi uma poetisa portuguesa que nasceu em 1894 em Vila Viçosa, lugarejo pertencente à Évora, uma mulher apaixonada, que buscava um lugar no mundo, pequeno demais para ela. 

  Florbela Espanca

Como bem descrito, “sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que ela soube transformar em poesia”. Uma mulher especial que Fernando Pessoa chamou de “alma sonhadora, irmã gêmea da minha...”.


À memória de Florbela Espanca    
(encontrado no espólio de Fernando Pessoa)

Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Tua alma, assim como a minha,
Rasgando as nuvens pairava
Por cima dos outros,
À procura de mundos novos,
Mais belos, mais perfeitos, mais felizes.

Criatura estranha, espírito irriquieto,
Cheio de ansiedade,
Assim como eu criavas mundos novos,
Lindos como os teus sonhos,
E vivias neles, vivias sonhando como eu.
Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Já que em vida não tinhas descanso,
Se existe a paz na sepultura:
A paz seja contigo!

Quando cheguei ao hotel a primeira coisa que fiz foi perguntar ao recepcionista sobre Florbela Espanca. Ele baixou os olhos e disse, “ela se matou,  eu conhecia muito seu primo, que se matou também...”. Fiquei imóvel e sem ação, porque não esperava. Sabia da vida de Florbela, já havia lido muito sobre ela, mas não a procurei por causa do suicídio, mas pela sua obra, aliás, pelo contrário, por sua vida incondicional, por mais curta que tenha sido, por sua “alma de luto sempre incompreendida”.

Eu                
 (Florbela Espanca)

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!



Em novembro de 2009, eu ouvi o próprio Xangai cantando no Teatro Carlos Gomes no Rio de Janeiro o poema Eu, de Florbela Espanca, que ele musicou. Por muito tempo busquei esta música, mas sem encontrá-la. Esta semana, motivada pelo filme Florbela exibido no Festival Internacional de Cinema do Rio voltei a procurá-la e encontrei esta versão da Banda Sertanília.

Florbela Espanca entrou na minha vida pela primeira vez quando ouvi a música Fumo que é um poema dela musicado pelo Fagner. As diversas faces de Florbela são um pouco de cada mulher, nós todas estamos nela. Sua poesia descreve de algum modo todos os nossos sentimentos, o nosso íntimo, mas de fato, isso fica mais evidenciado nas mulheres profundamente apaixonadas. Não só mulheres, mas qualquer pessoa que vive ou deseja viver e amar intensamente.

Fumo           
(Florbela Espanca)

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outono: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o vosso sonho!  Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...


 
O filme Florbela, com direção de Vicente Alves do Ó, ou a história que ele conta, não se aprofunda ou dá detalhes da vida literária da poetisa, entendo inclusive como equivocada a ideia que passa da boa aceitação de sua obra na época. Também não é exatamente uma biografia completa, mas o enfoque em um determinado momento, uma parte da sua história contada de uma maneira bonita em uma bela fotografia.


 



 

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