sábado, 22 de junho de 2013

Trechos de Grande Sertão Veredas

Companheiro

“Ele era meu companheiro, comigo tinha de ir. Ah, naquela hora eu gostava dele na alma dos olhos, gostava. – da banda de fora de mim.”
 
 
 
 
Amigo

“Amigo para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.”

  

 Aviso

 “E grande aviso, naquele dia, eu tinha recebido; mas menos do que ouvi, real, do que eu tinha de certo modo adivinhado. De que valeu? Aviso. Eu acho que, quase toda vez que ele vem, não é para se evitar o castigo, mas só para se ter consolo legal, depois que o castigo passou e veio.”
 
 
 
 
 
 
Palavra pegante



“O que vi, sempre, é  que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo.”


Narrador

“O senhor sabe?: não acerto no contar, porque estou remexendo  o vivido longe alto, com pouco carôço, querendo esquentar, demear, de feito, meu coração, naquelas lembranças. Ou quero enfiar a ideia, achar o rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não houve. Às vezes não é fácil. Fé que não é.”
 

Sonhejando

“Por não querer meu pensamento somente em Diadorim, forcejei. Eu já não presenciava nada, nem escutava possuído – fiquei sonhejando: o ir do ar, meus confins.”



 

Amizade


“Entendi aquele valor. Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, sem encalço. A amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor.”



  Sertão é isto


“Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo. Dia da lua. O luar que põe a noite inchada.”

 

 

A vida


                        “A vida da gente faz sete voltas - se diz. A vida nem é da gente..."



Sozinho


“Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas - isso procuro. O Reinaldo comigo par a par, e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor. Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca."




Invenções de medo

“Tem diversas invenções de medo, eu sei, o senhor sabe. Pior de todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia com um grande cansaço. Em minhas fontes, cocei um aviso de que um suor meu esfriava.”


 

Doçura do olhar

“Os afetos. Doçura do olhar dele me transformou para os olhos de velhice da minha mãe. Então, eu vi as cores do mundo. Como no tempo em que tudo era falante, ai, sei.”
 

 

Vaidade

“Ao senhor confesso, desmedi satisfação, no ouvir aquilo – que a assoprada na vaidade é a alegria que dá chama mais depressa e mais a ar.”




Relembrando a vida


“No passado, eu, digo e sei, sou assim: relembrando minha vida para trás, eu gosto de todos, só curtindo desprezo e desgosto é por minha mesma antiga pessoa.”





Tormentas de amor



“ Mas o  mal de mim, doendo e vindo, é que eu tive de compensar, numa mão e noutra, amor com amor. Se pode? Vem horas, digo: se um aquele amor veio de Deus, como veio, então – o outro?... Todo tormento. Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ôntem amanhã: é sempre. Tormentos.”




O rei do sertão




“Mas o senhor calado convenha. Peço não ter resposta; que, se não, minha confusão aumenta. Sabe, uma vez: no Tamanduá-tão, no barulho da guerra, eu vencendo,  aí estremeci num relance claro de medo – medo só de mim, que eu mais não me reconhecia. Eu era alto, maior do que eu mesmo; e, de mim mesmo eu rindo, gargalhadas dava. Que eu de repente me perguntei, para não me responder. – “Tu és o rei-dos-homens?...” Falei e ri.” 




Amor desse, cresce primeiro; brota é depois




“Diz que direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama interiço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor, desse cresce primeiro; brota é depois.”  
 
  

As horas da gente


“Do que o que: o real roda e põe diante.  – “Essas são as horas da gente. As outras, de todo o tempo, são as horas de todos” – me explicou o compadre meu Quelemém."

 

 

O encontro





“Aquele encontro nosso se deu sem o razoável comum, sobrefalseado, como do que só em jornal e livro é que se lê. Mesmo o que estou contando, depois é que eu pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido – porque, enquanto coisa assim se ata, a gente sente mais é o que o corpo a próprio é: coração batendo.”



Soldado


Eu estava querendo ser sincero. E notei que ele no falar me encarava e no ouvir piscava os olhos; e, quem encara no falar mas pisca os olhos para ouvir, não gosta muito de soldados.”

 

Pena

“Mas como ia não ter pena? O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente.”




Acaso 

“Ah, e se não fosse, cada acaso, não tivesse sido, qual é então que teria sido o meu destino seguinte? Coisa vã, que não conforma respostas. Às vezes essa idéia me põe susto.”




Versos 
“Não estou caçando desculpa para meus errados, não, o senhor reflita. O que me agradava era recordar aquela cantiga, estúrdia, que reinou para mim no meio da madrugada, ah, sim. Simples digo ao senhor: aquilo molhou minha ideia. Aire, me adoçou tanto, que dei para inventar, de espírito, versos naquela qualidade. Fiz muitos, montão.”



Saudade 
“A gente se encostava no frio, escutava o orvalho, o  mato cheio de cheiroso, estalinho de estrelas, o deduzir dos grilos e a cavalhada a peso. Dava o raiar, entreluz da aurora, quando o céu branquece. Ao o ar indo ficando cinzento, o formar daqueles cavaleiros, escorrido, se divisava. E o senhor me desculpe, de estar retrasando em tantas minudências. Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade.”




O menino 

“Ele, o menino, era dessemelhante, já disse, não dava minúcia de pessoa outra nenhuma. Comparável um suave de ser, mas asseado e forte – assim se fosse um cheiro bom sem cheiro nenhum sensível – o senhor represente.”




Entendimento 
“Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria decifrar as coisas que são importantes. Eu estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!”




Vivimento

“De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe".



O bem e o mal


“Assim feito no paredão. Mas a água só é limpa nas cabeceiras.O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no efeito que dão."


Vingança 
“Vingar, digo ao senhor: é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais. O demônio diz mil. Esse! Vige mas não rege... Qual é o caminho certo da gente? Nem para a frente nem para trás: só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos fazem.”





  Medo
 
Figura de Arlindo Daibert


 “porém,estaquei na ponta de um pensamento, e agudo temi, temi.  Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!



 

 

Encantamento

 “Tem hora que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos? Bobéia, minha.”

 

 

Os gostares

“Noite essa, astúcia que tive uma sonhice: Diadorim passando por debaixo de um arco-íris. Ah, eu pudesse gostar dele – os gostares...”


 

Beleza verde


“ ...me faltou certeza para responder a ele o que eu estava achando. Que vontade era de pôr  meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos deles, ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que ponto esses olhos, sempre havendo, aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível.” 

 

 

Paixão


“Tudo turbulindo. Esperei o que vinha dele. De um acêso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionado de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre."


 

Viver é muito perigoso


“Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas -- e no meio da travessia não vejo! -- só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais baixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?"

 

 

Bem-te-vi nosso de cada dia



“Quando o dia o dia quebrava as barras, eu escutava outros pássaros. Tirirí, graúna, a fariscadeira, juriti-do-peito-branco ou a pomba-vermelha-do-mato-virgem. Mas mais o bem-te-vi. Atrás e adiante de mim, por toda a parte, parecia que era um bem-te-vi só. – “Gente! Não se acha até que ele é sempre um, em mesmo?” – perguntei a Diadorim. Ele não aprovou, e estava incerto de feições. Quando meu amigo ficava assim, eu perdia meu bom sentir. E permaneci duvidando que seria – que era um bem-te-vi, exato, perseguindo minha vida em vez, me acusando de más-horas que eu ainda não tinha procedido. Até hoje é assim...”

 

 

O corpo adivinha se não entende


“mas, essa ocasião, ele estava ali, mais vindo, a meia-mão de mim. E eu – mal de não me consentir em nenhum afirmar das docemente coisas que são feias – eu me esquecia de tudo, num espairecer de contentamento, deixava de pensar. Mas sucedia uma duvidação, ranço de desgosto: eu versava aquilo em redondos e quadrados. Só que coração meu podia mais. O corpo não translada, mas muito sabe, adivinha se não entende.”

 

 

Quisquilhas da natureza

O ianso do vento revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o chiim dos grilos ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas minúcias, não era capaz de me alembrar, não sou de à parada pouca coisa; mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza.”



    Borboletas do sertão

“De qualquer pano de mato, de de-entre quase cada encostar de duas folhas, saíam em giro as todas as cores de borboletas. Como não se viu, aqui se vê. Porque, nos gerais, a mesma raça de borboletas, que em outras partes é trivial regular – cá cresce, vira muito maior, e com mais brilho, se sabe; acho que é do seco do ar, do limpo, desta luz enorme.”
 

 

Saudade
 “O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração... Ah. Diz-se que o Governo está mandando abrir boa estrada rodageira, de Pirapora a Paracatu, por aí...”
 

 

Diadorim é minha neblina

“Bem querer de minha mulher foi que me auxiliou, rezas dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é minha a neblina...”

“Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso...”
 



As pessoas mudam

“O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou...”

 

 

Dor do corpo e dor da ideia

“Informação que eu pergunto: mesmo no Céu, fim de fim, como é que a alma vence se esquecer de tantos sofrimentos e maldades, no recebido e no dado? A como? O senhor sabe: há coisas de medonhas demais, tem. Dor do corpo e dor da ideia marcam forte, tão forte como todo amor e raiva de ódio. Vai mar...”

 

 

O descanso de Riobaldo

“Pousei no capim fundo e um bicho escuro deu um repulão, com um espirro, também doido de susto: que era um papa-mel que eu vislumbrei; para fugir, esse está somente. Maior sendo eu, me molhou seu cansaço; espichei tudo. E um pedacinho de pensamento: se aquele bicho irara tinha jazido lá, então ali não tinha cobra. Tomei o lugar dele. Existia cobra nenhuma. Eu podia me largar. Eu era só mole, moleza, mas que não amortecia os trancos, dentro, do coração.”  

 

 

Outra coisa é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias...


“Por que o governo não cuida?!
Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente -- dá susto se saber-- e nenhum se sossega: todos nascendo crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...”




Eu quase não sei de nada, mas desconfio de muita coisa...

“Compadre meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem assistido, terríveis bons-espíritos me protegem. Ipe! Como gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo mundo... Eu quase não sei nada. Mas desconfio de muita coisa.” 
  

Lugar se divulga sertão é...

 

"Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade..."

"Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão  ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte."



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Conheça João Guimarães Rosa:


 Sertanejo

  

Diplomata


Membro da Academia Brasileira de Letras 





Obra: 
 http://www.releituras.com/guimarosa_bio.asp

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