(dois irmãos conversam num
canto afastado quarto. O pai deitado sobre a cama na outra extremidade)
Paulo: Você conseguiu o
medicamento?
Túlio: Um amigo trouxe da
Bélgica. Não estou seguro, precisamos conversar.
Paulo: Ele precisa disso,
está sofrendo.
Túlio: Tem uma questão ética
envolvida. Posso perder meu registro médico.
Paulo: Só nós sabemos disso.
Daqui a pouco será um assunto entre mim e você. Pensa que o colocaremos para
dormir.
Túlio: Ele nos colocava para
dormir, lembra? Cobria um, depois o outro. Não sei se posso fazer isso com ele.
Paulo: Todos deveríamos ter
o direito de escolher permanecer vivo ou não em uma condição terminal de grande
sofrimento.
Túlio: As Leis existem para
serem cumpridas.
Paulo: É claro. Se cada um
quiser fazer o melhor para o mundo. Nós vamos fazer o melhor que podemos para
nós.
Túlio: É uma questão mais
profunda. É como se o estivéssemos privando de seu último suspiro.
Paulo: Você está parecendo a
mamãe quando chegava da missa. Cara, você é médico. Sabe que há pouco para
escolher.
Túlio: É, talvez eu esteja
imerso em tradições conservadoras, sustentadas por pilares religiosos, mesmo
sendo médico.
Paulo: Vamos em frente cara.
Pai: hummmm.
(os dois homens caminham em
direção a cama e param ao lado do homem deitado)
Paulo: Oi pai, como está se
sentindo?
(o pai faz sinal negativo
com a cabeça)
(Paulo faz um sinal para
Túlio iniciar o procedimento)
(Túlio passa a mão nos
cabelos do pai)
Túlio: Pai está respirando
melhor hoje?
Paulo: O Túlio vai aplicar a
medicação para você se sentir melhor.
(Túlio injeta a agulha)
Túlio: Só uma picadinha.
Agora o adesivo para segurar. Pronto.
(Túlio posiciona o frasco do
medicamento na seringa)
(Pai com voz baixa, faz
esforço para falar)
Pai: Paulo, você poderia ir
ver minhas plantas amanhã? Elas estão sem cuidados. Precisa aguá-las. No
armário da oficina tem uma lata com adubo. Revigore-as para mim.
(Túlio para o procedimento)
Tulio: Você sempre cuidou
muito bem do jardim. Já ouvi dizer que tem gente que nasce com a “mão boa” para
plantar.
Pai: Cof, cof, cof.
(Paulo coloca a mão sobre os
ombros do pai e olha para Túlio)
Paulo: Calma pai. Fica
tranquilo.
Pai: Talvez seja necessário
podar a sempre-viva, senão ela morre.
(o pai abre um sorriso)
Pai: Cof, cof, cof.
Túlio: Calma Sr. Sergio.
Vamos continuar com essa medicação para você melhorar.
(Túlio retoma o
procedimento, apertando a ampola contra a seringa)
Pai: Túlio?
(Túlio não injeta o líquido
da ampola e olha para o pai)
Pai: Esta noite, sonhei com
um filme que vi há muito tempo atrás.
Túlio: Qual filme pai?
Pai: Contos da Lua Vaga. É a
história de dois oleiros que querem coisas diferentes da vida. E também um
filme de mulheres fortes.
(Paulo se emociona e chora. Túlio
olha para Paulo)
Túlio: Agora quero assistir,
fiquei curioso.
(Túlio larga o medicamento)
Pai: São cenas que parecem
quadros, quando olhamos isoladamente.
Paulo: Havia esquecido o
quanto você gosta de cinema.
(O pai se emociona)
Paulo: Podemos rever esse
filme se você quiser.
Pai: A vida é tão curta para
se rever todos os filmes que se quer.
Túlio: Pai você...
(ambos percebem o homem
morto e se abraçam)
Fim
Terceiro dia da Oficina
de Roteiro, com Renata Mizrahi, CAL/SESI
Exercício: A quer algo de B.
C impede B de dar a A. Resolvido por A ou C. A e B são humanos, C pode ser
objeto.