Quando
Ulisses voltou teve uma surpresa. A precisão náutica deveria o colocar em
posição exata, deveria ele aquela altura estar bem próximo à sua terra, mas a
ilha não despontava. A ansiedade o consumia, e por dentro ele sentia um fogo
ardente, que lhe queimava as vísceras, como se o Deus Hefesto o quisesse punir
pela pressa tardia. Já se passavam dezessete anos de sua partida.
A
ilha de Ítaca esvaecida no mar Jônico, não era a mesma para Ulisses e ele não a
reconhecia. Retornar tinha duas faces, a do querer e a da indecisão, por isso
ele não conseguia enxergar, o que não sabia que era. No mar, era um capitão
destemido, mas não havia fortaleza para decisões quando as paixões o dominavam.
Ele acompanhava, com o olhar no firmamento, uma nuvem ligeira, e seguindo-a
encontrou seu pensamento em Circe. Na mesma nuvem que escondia Ítaca, ele
repousava a lembrança no amor que durante aquele ano viveu com a bruxa.
Com
sua ânsia, também as lembranças da guerra passaram a controlar sua pulsação, durante
os dez anos da Batalha de Tróia ele se tornou respeitado por sua força e artimanha.
Receava deixar no passado a condecoração da vitória de arrastar Helena de volta,
contra a vontade de homens e deuses prepotentes.
A
lembrança do grande cavalo o envaidecia, ele, o primeiro a descer e caminhar
pelas ruas de Tróia, segurando uma tocha ardente, e conduzindo o exército
maltrapilho que se tornaria vitorioso graças a sua astúcia para manipular a
credulidade dos troianos. A segurança que Ítaca oferecia, roubava dele a glória
de ser um herói, e ele seria apenas uma lenda.
Ulisses
avistou os montes azuis no horizonte, e do mar, ficou durante dias observando
aquela terra estranha. Era Ítaca. A angústia o castigava mais que o Sol e
lembrando dos prazeres do ócio em terras enfeitiçadas, chorou ao se sentir outro.
Ulisses não era mais o mesmo. Enquanto esteve na ilha de Ogígia, sentia-se prisioneiro
do amor nos braços de Calipso, desejava Ítaca, pensava em Penélope. Com o olhar em Ítaca, prestes a alcançá-la, ele
desejava o mundo, Ogígia, Calipso e o resto.
Olhava
sua imagem refletida na água cristalina do mar de Ítaca, e entristecido, pensou
em se jogar ao mar, mas foi impedido por um movimento brusco do barco que o
lançou ao convés. Naquele momento lembrou-se do canto maravilhoso das sereias
que seduziu seus companheiros para a morte. Ele presenciara tempos atrás os
horrores da falta de controle próprio e seu estômago reverteu-se em náuseas ao se
lembrar dos corpos boiando próximos ao barco, entregues de uma vez por todas ao
mar. Ele mesmo se entregaria ao lírico se não estivesse preso ao mastro.
Perante os prazeres mortais ele era tão comum quanto seu mais raso marinheiro,
mas o amor de Circe o diferenciava dos outros e o salvou. Diante de Ítaca ele
lamentou estar vivo sem sua tripulação, em seu pensamento o canto lírico das
sereias se confundia com o chiado do mar. No desespero ensurdecedor desejou paz,
e neste momento decidiu voltar para Penélope.
Quando
Ulisses voltou, Penélope não o podia reconhecer. Faltava nela o brilho que
havia deixado anos atrás. Percebeu nela as mãos castigadas, os dedos deformados
e a juventude comprometida. O tear foi seu aliado na ansiedade, que ela havia
transformado em esperança, e depois, em nostalgia. Ela estava presa na
nostalgia da partida de Ulisses e ele teve pena dela. Ulisses voltou para
casa.
Quando
Ulisses voltou, percebeu que seu grande inimigo sempre esteve muito perto. Tinha
que lutar consigo, o que queria encontrar estava dentro de si e precisava ser
vencido.
...
...haverá continuação
Lindo d+ , vc tem o dom da palavra Re.
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